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ElPais

Empresas ajustam a rota depois dos ilícitos

 

Volkswagen, Siemens, Alstom e Petrobras são algumas das companhias globais que aprendem com os erros do passado

O Brasil vive as dores do crescimento, no esforço de se tornar uma sociedade mais transparente. A maior independência do Ministério Público no Brasil permitiu o avanço de investigações que encontraram um sistema corporativo contaminado pela prática de corrupção. Por outro lado, uma legislação mais rígida desde 2013 tem aumentado o nível de exigência das companhias de capital aberto. Quanto maior o comprometimento, mais confiança dos investidores.

É nesse contexto que as companhias nacionais vêm encarando um nível de cobrança com a qual os brasileiros não estavam acostumados. As empresas locais, no entanto, não são as primeiras a passar por uma exposição mundial de malfeitos. Grandes corporações globais já vivenciaram situações do gênero por ilícitos internacionais. Pagaram o preço dessa dívida moral e financeira e hoje continuam firmes no jogo. Países como a potente Alemanha, por exemplo, enfrentaram denúncias de corrupção internacional praticada por corporações tidas como exemplares. É o caso da Siemens, que em 2006 teve de reconhecer um sistema organizado de subornos em numerosos países para ganhar contratos, incluindo o Brasil. Ao todo, foram cerca de 4.300 pagamentos ilegais que afetavam mais de 330 obras. Estima-se que a companhia gastou o equivalente a 2,5 bilhões de euros entre multas e profissionais contratados para restabelecer as boas práticas.

Mais recentemente, em 2015, a Volkswagen se viu implicada num escândalo diante de denúncias de fraudes em testes de emissões de poluentes de seus veículos, que ficou conhecido como dieselgate. A crise desencadeada após a descoberta custou a demissão de executivos da cúpula, a começar pelo CEO Martin Winterkorn, que até hoje está sob investigação, além de um prejuízo recorde naquele ano de 1,3 bilhão de euros.

Também na França, a Alstom teve de reconhecer em 2008 o esquema de pagamento de propina em contratos de energia em nove países, incluindo China, Índia, Suíça e Itália, que a levaram a pagar 772 milhões em multa num acordo com a Justiça dos Estados Unidos.

Apesar dos pesares, as três companhias citadas voltaram a se destacar no mercado mundial, após um intenso e duradouro trabalho de correção de rota, que incluiu acordos com a Justiça, e uma reestruturação interna.

No Brasil, a Petrobras mergulhou num projeto de reestruturação que já vem colhendo frutos positivos. Desde que investigações sobre a rede de corrupção que a atingiu veio à tona há três anos, a empresa trocou o comando do grupo duas vezes, e passou a trabalhar em conjunto com a Justiça e órgãos de fiscalização para ajudar na revisão geral de seus processos. Ao mesmo tempo, iniciou uma profunda revisão de procedimentos internos.

Além do treinamento de seus quase 70.000 funcionários, a empresa investiu em programas como um Canal de Denúncia, em que o colaborador pode registrar suas suspeitas anonimamente. Houve, também, um reforço da ouvidoria.

As mudanças já conferidas animaram o presidente da Petrobras, Pedro Parente, a trabalhar para que a empresa ingresse no nível 2 de Governança na Bolsa de Valores de São Paulo, elevando as exigências internas para blindar a companhia. “Vamos criar condições para o que aconteceu no passado não volte a acontecer no futuro”, afirmou Parente no último dia 5 de junho.

O alemão Andreas Pohlmann, que foi chefe global de compliance da Siemens logo após o escândalo de 2006, lembrou, durante sua participação em um evento em São Paulo, que as tentações são constantes no ambiente corporativo. “Os empregados são sempre colocados à prova com ofertas de facilitações”, disse ele. “Mas não pode haver concessões. Decisões erradas podem destruir vidas e carreiras de milhares de pessoas.”

Sair do olho do furacão exige administrar a moral da equipe que sempre vestiu a camisa pela empresa, mas que fica desapontada diante da vinculação do seu local de trabalho a um escândalo que chegue ao noticiário. Não raro, há baixas no grupo. Por isso, a transparência é condição básica neste caso: reconhecer o erro publicamente e apresentar um programa consistente e contínuo que blinde a empresa de práticas nocivas é o caminho indicado para superar o trauma.

Tanto a Siemens, como a Alstom, Volkswagen e a Petrobras precisaram também suportar a queda momentânea de resultados – no caso da Petrobras, reforçado pela queda de preço do barril de petróleo –, e enfrentar a desconfiança do mercado. A Siemens, por exemplo, levou dez anos para restabelecer as bases da sua gestão. A reestruturação de diversas áreas dentro das companhias, com revisão de processos e do fluxo de informações, foi fundamental para conseguir virar a página.

No Brasil, além da fiscalização de um Judiciário mais ativo, a lei anti-corrupção, de 2013, ajudou a mudar a postura das companhias. Ela ainda está em fase de maturação, mas já as deixou mais alertas. “Ainda estamos em fase de implantação das penalidades, mas muita coisa foi alterada dentro das organizações por causa dela”, diz Gustavo Lemos Fernandes, do escritório de advogacia Emerenciano, Baggio e Associados.

 

Regulamentada no ano passado, a legislação responsabiliza, no âmbito civil e administrativo, empresas que praticam atos contra a administração pública nacional ou estrangeira. E a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades podem servir de atenuantes na aplicação da lei. “Para a maioria das empresas, ainda não há obrigatoriedade, mas em função do cenário atual, há um apreço maior pela implantação de cultura de integridade nas empresas”, afirma Daniel Soares, sócio do escritório Ulhôa Canto.