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07/12/2015 19h48

ANÁLISE-Crise pode forçar Abengoa a vender ativos no Brasil mesmo com mercado ruim

Por Luciano Costa e Marcelo Teixeira

SÃO PAULO (Reuters) – A crise do grupo de engenharia Abengoa, cuja matriz entrou com pedido preliminar de recuperação judicial na Espanha, pode forçar a empresa a vender ativos no Brasil, apesar de um momento ruim do país, particularmente do mercado de transmissão de energia elétrica.

O governo federal tem lutado sem muito sucesso para atrair mais investidores nos leilões de empreendimentos de transmissão, um setor no qual a Abengoa possui cerca de 6 mil quilômetros de linhas em construção.

A carteira de projetos da espanhola inclui linhas importantes para viabilizar a conexão de usinas eólicas e da hidrelétrica de Belo Monte, que será a terceira maior do mundo.

Especialistas ouvidos pela Reuters estimam que a Abengoa deve tentar vender seus ativos para fazer caixa, devido à dificuldade para captar novos recursos e continuar os projetos em meio à sua crise.

“É um caminho, até para abastecer de recursos líquidos as operações no exterior… é um caminho bem possível”, afirmou o advogado Robertson Emerenciano, sócio do escritório Emerenciano, Baggio e Associados.

Ele acredita que a alternativa deverá até mesmo ser incentivada pelo governo brasileiro e pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

“Para o governo, é mais importante manter os investimentos… é possível fazer uma negociação para transferir os ativos”, disse.

Fontes com conhecimento da reestruturação da Abengoa na Espanha disseram que a empresa vai parar todos projetos não operacionais e que demandam novos investimentos.

Uma apresentação corporativa datada de setembro apontava que as novas linhas no Brasil ainda demandariam cerca de 1 bilhão de euros em novos aportes.

O pesquisador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da UFRJ, Roberto Brandão, no entanto, avalia que os projetos já em andamento devem ser justamente os que teriam mais dificuldades para encontrar interessados caso a empresa opte pela venda.

“Os ativos já em operação sempre encontram comprador… o risco é muito baixo. Talvez não pelo melhor preço do mundo, porque o momento é ruim. Mas o complicado é a parte dos ativos que não começaram a obra ainda… esses são o X da questão”, afirmou.

MOMENTO RUIM

Os problemas da Abengoa surgem em um momento em que o Brasil tenta atrair mais investidores para seu já combalido setor de transmissão.

No último leilão para a concessão de novas linhas, em novembro, apenas quatro de doze lotes ofertados atraíram interessados. No certame anterior, em agosto, quatro lotes foram viabilizados, em um total de onze.

“Com a falta de interesse nos leilões, provavelmente vai haver uma situação bastante complicada aí”, apontou o consultor Ambrosio Melek, da Siseletro. “(A Abengoa) vai ter que dar um bom desconto (para conseguir vender)”.

O consultor disse que já houve casos de transmissoras que deixaram o mercado brasileiro, desfazendo-se de todos ativos –mas “em outra época, quando havia abundância de recursos”.

A elétrica chinesa State Grid, por exemplo, entrou no Brasil em 2012 com a compra de uma série de concessões de transmissão de empresas espanholas. A estatal oriental é vista por Melek como candidata a ficar com obras da Abengoa.

Procurada, a State Grid preferiu não comentar.

PROJETOS PARADOS

A Abengoa já avisou a fornecedores e empresas do setor que não dará andamento aos projetos, disse à Reuters a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Gannoun.

Ela estima que 1,5 gigawatt em usinas eólicas já licitadas seriam conectadas a linhas em construção pela Abengoa.

Os espanhóis também constroem um linhão que levará até o Nordeste parte da energia a ser produzida por Belo Monte no Norte do país –um empreendimento que já levantava preocupações da Aneel devido ao atraso antes mesmo de a situação financeira da Abengoa ganhar as manchetes.

“É bastante preocupante a situação… o impacto é muito grande porque a Abengoa é uma das principais investidoras. E os leilões recentes (de projetos de transmissão) têm demonstrado pouca atratividade, atraído poucas empresas”, afirmou Elbia.

O secretário de Planejamento do Ministério de Minas e Energia, Altino Ventura, disse que talvez a Abengoa tenha dado “um passo maior que as pernas”, assumindo mais linhas e investimentos do que teria capacidade de realizar.

“Isso é um situação que nos preocupa porque nós já temos falta de agentes para entrar nos leilões, e agentes que estão no mercado e construindo novas (linhas) estão saindo. Tem até leilão dando vazio. É algo complicado”, afirmou o executivo, após um evento no Rio de Janeiro.

O vice-presidente do sindicato dos trabalhadores em construção da Bahia (Sintepav), Irailson Warneaux, disse à Reuters que a empresa sinalizou que poderia retomar as operações em março de 2016, mas somente caso obtenha sucesso nas negociações com os credores.

De acordo com Warneaux, a Abengoa demitirá 4,6 mil dos 5 mil empregados diretos no Brasil. Terceirizados também devem ser afetados. “Todas obras da Abengoa vão ficar paradas”.

ATRASOS

Segundo documento da Aneel, 75 dentre cerca de 130 projetos de transmissão em andamento ou recentemente concluídos no Brasil apresentavam atrasos superiores a 500 dias, enquanto 30 chegam a superar os mil dias em descumprimento de cronograma.

Brandão, da UFRJ, ainda alertou sobre os efeitos da crise da Abengoa sobre a indústria de transmissão como um todo.

“Tem bastante prestador de serviços e fornecedor pendurado na Abengoa… não é que eles captem empréstimo com os fornecedores, mas pagam a prazo, em prazos dilatados… não será uma coisa muito trivial essa situação”.

Warneaux, do sindicato que representa funcionários da Abengoa na Bahia, disse que, em reunião, a empresa confirmou haver problemas com os pagamentos a fornecedores.

“Os fornecedores estão todos atônitos, porque na verdade eles vão ficar para um segundo momento. Conseguimos priorizar os débitos trabalhistas”, disse o sindicalista.

A Aneel realizou reunião com representantes da Abengoa na quarta-feira passada.

Procurada, a agência não detalhou o teor da reunião, mas disse em nota que “não houve avanços e nenhum efeito prático” no encontro e que aguarda informações por parte da empresa.

A Abengoa não respondeu a tentativas de contato.

(Reportagem adicional de Julien Toyer, em Madri, e Rodrigo Viga Gaier, no Rio de Janeiro)