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BNDES cria linha de R$ 5 bi para compra de empresas em recuperação

Banco de fomento também reforça na linha para capital de giro

 

por Danilo Fariello / Eduardo Barretto

25/08/2016 11:58 / Atualizado 25/08/2016 22:43

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A presidente do BNDES, Maria Silvia Bastos Marques – Givaldo Barbosa / Agência O Globo

 

BRASÍLIA e RIO – Preocupado com a qualidade do crédito e de olho na recuperação da economia, o governo fez ontem uma ação coordenada para melhorar a situação financeira de empresas, principalmente aquelas em dificuldades. De um lado, o BNDES anunciou uma nova linha de financiamento de R$ 5 bilhões para viabilizar a aquisição de fatias de companhias que correm risco de falir. Em outra iniciativa, o Banco Central permitirá que empresas e famílias usem aplicações financeiras em ações como garantia para pegar empréstimos mais baratos. Estas ações funcionariam como um facilitador para a venda de ativos de difícil negociação e, de quebra, reduziriam os riscos para os bancos públicos nestas atividades.

No pacote do BNDES, investidores interessados em ativos de empresas em situação mais complicada terão acesso a crédito de R$ 5 bilhões, um valor que poderia ser ampliado de acordo com a demanda. O programa estará em vigor até agosto de 2017, com prazo de até dez anos para pagamento. O montante será destinado para financiar a compra de ativos economicamente viáveis de empresas em recuperação judicial, extrajudicial ou falência ou em crise econômico-financeira e elevado risco de crédito, a critério do BNDES. O banco de fomento também anunciou ontem um reforço na linha de crédito para capital de giro, com atenção especial a empresas em recuperação.

MAIS RECURSOS PARA CAPITAL DE GIRO

Segundo Maria Silvia Bastos Marques, presidente do BNDES, a medida visa a manter não apenas a atividade econômica do país, mas também preservar empregos, uma vez que haverá exigências para que as empresas que acessarem o crédito mantenham atividade produtiva e número de funcionários. Ela afirma que o banco observou aspectos econômicos e sociais para adotar as medidas.

— É um jogo de ganhadores totais. Ganha a empresa em recuperação. Ganham os potenciais compradores, que passam a ter financiamento para isso. Ganha a sociedade brasileira e o país, porque está se ativando o crescimento — disse ela, em entrevista coletiva no Palácio do Planalto.

O ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, destacou que as medidas não exigirão novos subsídios por parte do Tesouro Nacional. Serão redefinidos recursos já disponíveis dentro do BNDES. Os empréstimos serão feitos em condições de mercado, exceto nos casos em que a operação sirva para quitar dívidas contraídas com o próprio BNDES.

Maria Silvia reconheceu que a medida pode contribuir para o controle do aumento da inadimplência registrada pelo banco. O BNDES teve prejuízo de R$ 2,2 bilhões no primeiro semestre, o primeiro desde 2003, motivado, principalmente, por despesas com provisões, tanto da carteira de crédito e repasses quanto da carteira de participações societárias:

— Não estamos imunes à crise. Nossa inadimplência aumentou, e fizemos provisionamento. Essa linha de recuperação de ativos é um jogo de ganha-ganha. Se ela funcionar, vamos sair melhor no final.

Segundo dados da Serasa Experian, foram registrados 1.098 pedidos de recuperação judicial de janeiro a julho, alta de 75,1% em relação a igual período do ano passado. Entre as empresas que buscaram proteção contra credores estão gigantes como a Oi e construtoras de grande porte.

A nova linha de crédito para revitalização de ativos do BNDES poderá financiar estudos, projetos, consultorias e auditorias que os compradores costumam colocar em prática para formalizar a compra, principalmente quando se trata de empresas em situação complicada. Para o BNDES, o programa fortalecerá a adoção de melhores práticas de governança.

Já a linha de apoio financeiro do banco para capital de giro foi prorrogada até o fim de 2017 e terá mais R$ 2,3 bilhões de reforço orçamentário. No total, o orçamento fica em R$ 10 bilhões. Os custos serão reduzidos. Micro, pequenas e médias empresas terão taxa total anual de 9,5%. No começo do ano, os juros eram de 11,59%. As grandes companhias terão taxa de 16,61% ao ano, ante 17,71% em janeiro.

Segundo Claudio Coutinho, diretor financeiro do BNDES, os indicadores levam em conta o cenário atual de juros, mas podem cair se as condições macroeconômicas melhorarem.

— Destaco a relevância dessas ações, no momento em que muitas empresas têm tido redução da atividade e entrado em recuperação judicial, quando as empresas sofrem uma série de restrições de acesso a crédito — ressaltou o ministro.

Maria Silvia lembrou que empréstimos para empresas em dificuldade não são encontrados atualmente no mercado. Com a ação, a ideia é preservar vagas num cenário de desemprego em alta.

Thais Marzola Zara, economista-chefe da Rosenberg Associados, destaca que, em julho deste ano, as novas concessões de crédito para pessoas jurídicas chegaram a R$ 103 bilhões, descontados os efeitos sazonais e a inflação. O número representa queda de 20,7% em relação a igual período do ano passado e o menor nível desde 2000, quando começou a série. Considerando a linha anunciada, as mais beneficiadas seriam empresas de pequeno e médio porte:

— Essa linha ajuda a mitigar a situação, mas, como o cenário está bem complicado, não vai resolver a situação.
Para Luiz Otavio Leal, economista-chefe do Banco ABC Brasil, a medida é um primeiro passo, mas a demanda de crédito necessária para viabilizar negócios neste cenário é muito superior a R$ 5 bilhões.

Sérgio Savi, sócio da área de Reestruturação e Recuperação de Empresas do Barbosa, Müssnich, Aragão Advogados, avalia que a linha é positiva pois hoje há escassez de crédito para comprar empresas em recuperação judicial.

— O BNDES vai analisar o risco de empresas saudáveis e não das companhias em crise. Isso vai ajudar a viabilizar a recuperação judicial de muitas companhias — explicou Savi.

POUCAS SAEM DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Maria Silvia destacou que apenas 1,1% das empresas tem saído do processo de recuperação judicial no Brasil, em prazo de seis a dez anos. Esses indicadores são muito diferentes de países desenvolvidos, que são de 20% a 30% de companhias que saem da recuperação em prazos de até três anos.

— Buscamos as estatísticas relativas ao processo de recuperação judicial. Elas são bastante preocupantes — disse ela.
Para Sergio Emerenciano, especialista em fusões e aquisições do Emerenciano, Baggio e Associados, o auxílio a empresas em dificuldade é relevante, porque afeta a cadeia de fornecedores:

— A possibilidade de a empresa sair da recuperação garantiria empregos e a cadeia de negócios.

Rubens Penha Cysne, professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EPGE), diz que a linha compensa a incerteza macroeconômica, fiscal e jurídica no país.

— Haverá competição por esses recursos, permitindo ao BNDES analisar o que é razoável — disse Cysne.

Para o ministro do Planejamento, medidas como as anunciadas ontem podem acelerar a retomada do crescimento:

— Nossa perspectiva é que, já ao longo deste ano, haja retomada da atividade, e que isso será mais forte em 2017.

 

Link da notícia: http://oglobo.globo.com/economia/bndes-cria-linha-de-5-bi-para-compra-de-empresas-em-recuperacao-19992012