Título padrão

Atualmente existem três formas de reajustes de preços praticados pelas operadoras de plano de saúde em seus contratos de prestação de serviços médicos hospitalares: o reajuste anual, o reajuste por mudança de faixa etária e o reajuste técnico por sinistralidade.

Em relação aos contratos coletivos empresariais ou por adesão, ou seja, aqueles contratados por intermédio de uma pessoa jurídica, e sobre os quais vamos tratar neste artigo, os índices de reajuste aplicados não são definidos pela Agência Nacional de Saúde (ANS), diferentemente do que ocorre em relação aos contratos individuais/familiares.

Isso porque, segundo o entendimento do referido órgão regulador, o poder de negociação dos preços é mais equilibrado, não havendo a necessidade de sua interferência. Neste caso, a ANS limita-se a apenas acompanhar os reajustes de preços supostamente negociados entre as operadoras de plano de saúde e as empresas contratantes dos planos, conforme os mesmos lhes sejam comunicados em até 30 dias da sua efetiva aplicação.

É justamente no vácuo deixado pela legislação, sobre esta modalidade de contratação, que as operadoras de plano de saúde vêm aplicando reajustes abusivos, notadamente pela liberdade de estabelecer condições diferenciadas de um contrato para outro.

E em se tratando de abusividade, a maior parte das reclamações das empresas contratantes dos planos coletivos compreende o reajuste técnico por sinistralidade.

O reajuste técnico por sinistralidade corresponde a uma variação de preço que supostamente decorre do aumento do número de procedimentos e atendimentos (ou “sinistros”) cobertos em relação ao previsto por um determinado período.

O destaque para a suposta variação de preços ocorre porque na maior parte das vezes as operadoras de plano de saúde não preveem em seus contratos, de maneira clara e objetiva, os critérios que justifiquem tal aumento.  Não obstante, quando da aplicação unilateral do referido reajuste, as operadoras não fornecem os dados que justificam o referido reajuste aos contratantes, de maneira a comprovar que de fato houve uma superação de um determinado índice de sinistralidade.

Deste modo, de acordo com pesquisa feita sobre recentes julgados referentes à aplicação de reajuste técnico por sinistralidade nos contratos de plano de saúde, fora identificado que, na grande maioria dos casos, as operadoras de plano de saúde têm sido vencidas.

Isto porque os tribunais têm pacificado o entendimento no sentido de que, ainda que a cláusula contratual que preveja tal tipo de reajuste não seja ilegal, a mesma tem sido aplicada de modo abusivo, principalmente em virtude da obscuridade dos critérios utilizados pelas operadoras de plano de saúde para o cálculo de tal reajuste. Ou seja, não existe qualquer demonstração dos cálculos que justifiquem a aplicação de tal tipo de reajuste.

 “APELAÇAO CÍVEL – AÇAO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA – UNIMED SERGIPE -PLANO DE SAÚDE – INCIDÊNCIA DO CDC – REAJUSTE DE 35% NA MENSALIDADE EM VIRTUDE DO ÍNDICE DE SINISTRALIDADE – ABUSIVO – DESEQUILÍBRIO FINANCEIRO CONTRATUAL – CULPA EXCLUSIVA DA PRESTADORA DO PLANO DE SAÚDE QUE PERMITIU QUE A SINISTRALIDADE ULTRAPASSASSE O LIMITE PRUDENCIAL – SENTENÇA MANTIDA -APELO IMPROVIDO – É abusivo o reajuste de plano de saúde pelo índice que melhor atende aos interesses do fornecedor, sem que se acorde ou se dê ao consumidor qualquer informação a respeito do critério adotado. Os índices de reajustes determinados no comando jurisdicional recorrido comportam proporcionalidade e coerência com as condições vivenciadas nos autos. – Recurso conhecido e improvido. (TJ-SE – AC: 2009217582 SE, Relator: DES. OSÓRIO DE ARAUJO RAMOS FILHO, Data de Julgamento: 10/05/2010, 2ª.CÂMARA CÍVEL)”.

Tem sido ainda comum nas demandas propostas pelos clientes, a invalidação da cláusula contratual que prevê o reajuste (técnico) por sinistralidade, conforme se verifica adiante:

AÇÃO DE COBRANÇA E REVISÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. SEGURO. PLANO DE SAÚDE COLETIVO. REAJUSTE ANUAL. ÍNDICE DE SINISTRALIDADE. NULIDADE. I. Em se tratando de plano de saúde coletivo, não há percentual previamente fixado pela Agência Nacional de Saúde – ANS, devendo a operadora apenas informar o reajuste anual aplicado, o qual poderá ser livremente negociado com a contratante. Inteligência do art. 8º, da Resolução Normativa nº 128/2006 da Diretoria Colegiada da ANS e o § 2º do art. 35-E, da Lei nº 9.656/98. II. Contudo, mostra-se abusivo o reajuste em decorrência do índice de sinistralidade, pois permite a majoração apenas em benefício da operadora do plano de saúde, deixando de considerar a possibilidade de o contrato tornar-se extremamente oneroso à autora. Afronta à boa-fé contratual, prevista no art. 422, do Código Civil, o que impõe a declaração de nulidade da referida cláusula contratual. III. Ademais, embora a contratação original tenha sido anterior à entrada em vigor da Instrução Normativa nº 49, de 17.05.2012 e da Resolução Normativa nº 363, de 12.12.2014, tais diplomas legais são perfeitamente aplicáveis à situação dos autos, haja vista que o contrato em tela, por ser de trato sucessivo, renova-se anual e automaticamente. IV. Ausência de prova de que os reajustes ocorreram exclusivamente por conta da sinistralidade. Incidência do art. 333, I, do CPC. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70062799960, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,… Relator: Jorge André Pereira Gailhard, Julgado em 27/05/2015)(TJ-RS – AC: 70062799960 RS, Relator: Jorge André Pereira Gailhard, Data de Julgamento: 27/05/2015, Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 02/06/2015).

Ressalte-se, oportunamente, que em relação a tais contratos de planos de saúde coletivos, são aplicadas as disposições do Código de Defesa do Consumidor, conforme estabelecido Súmula nº 469 do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), sob o argumento de que a empresa contratante é, em verdade, mero intermediário, sendo os beneficiários da contratação, os verdadeiros destinatários finais dos serviços médicos.

 Neste caso, de acordo com o disposto nos artigos 39 e 51 do Código de Defesa do Consumidor (“CDC”) são consideradas abusivas e devem ser consideradas nulas, as disposições contratuais aplicadas pelas operadoras de saúde que configurem vantagem excessiva em detrimento dos consumidores, a exemplo da aplicação de reajuste decorrente de sinistralidade, na maior parte das vezes baseado em critérios unilaterais e/ou obscuros.

Sob este entendimento, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deu parcial provimento à Apelação para anular o reajuste de 35% determinado por uma operadora de plano de saúde sobre um contrato coletivo, com base na sinistralidade, determinado ainda a devolução dos valores cobrados a mais desde 2011, devidamente corrigidos, pela operadora.

Segundo o relator do recurso, o critério da sinistralidade, além de abusivo, “possibilita a manipulação de dados por parte da operadora, de modo a forçar a majoração artificial de preços”, violando o artigo 51, inciso X; e parágrafo 1º do mesmo artigo, nos incisos I e II, ambos do CDC.

APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE COLETIVO. REAJUSTE DE MENSALIDADE EM RAZÃO DA SINISTRALIDADE. DESCABIMENTO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. REPETIÇÃO SIMPLES. PRESCRIÇÃO TRIENAL. REAJUSTE ANUAL CONFORME O CONTRATADO. POSSIBILIDADE. 1) Trata-se de ação de revisão de contrato de plano de saúde, na qual a parte autora objetiva a declaração de nulidade das cláusulas contratuais que prevêem reajustes abusivos nas mensalidades, julgada improcedente na origem. 2) REAJUSTE ANUAL – No que guarda relação com o reajuste anual, viável a livre negociação do índice entre as partes, uma vez que inexiste interferência da ANS no cômputo do reajuste anual dos contratos coletivos, assim como inexiste desigualdade na relação jurídica a ponto de nulificar a cláusula contratual que estipula o índice, eis que, nesses casos, o consumidor possui maior poder de negociação. O papel da autarquia reguladora nos contratos de plano de saúde entabulados coletivamente consubstancia-se apenas em monitorar os índices praticados pela operadora, de forma que o reajuste deve ser previamente comunicado à ANS, não obstando a livre negociação do reajuste entre as partes, desde que não ultrapassem àqueles previstos contratualmente e não se configurem manifestamente abusivos. 3) REAJUSTE POR SINISTRALIDADE – A prática de reajustes com base na planilha de custos e desempenho, ou seja, na sinistralidade, vai de encontro às disposições do Código de Defesa do Consumidor, mormente porque essa condição, além de impedir o conveniado de ter, no ato da contratação, a noção exata de quais serão os seus ônus, também possibilita a manipulação dos dados pela operadora, de modo a forçar a majoração artificial de preços, em clara ofensa ao artigo 51, inciso X e § 1º, e incisos I e II, do CDC. 4) Embora haja a possibilidade de a operadora reajustar os valores dos prêmios mensais, deve-se reconhecer a abusividade em conferir ao fornecedor o poder de apreciar unilateralmente a majoração a ser aplicada, tal como ocorre quando do aumento das mensalidades em razão da sinistralidade. Aplicação da regra disciplinada pela Instrução Normativa nº 49 da ANS, de 17/05/2012. Precedentes. 5) REPETIÇÃO DOS VALORES – É possível a repetição do indébito de forma simples, em atenção ao princípio que veda o enriquecimento indevido do credor. Precedentes. 6) PRESCRIÇÃO – A matéria relativa ao prazo prescricional das parcelas que devem ser restituídas por indevidas, nas ações como a “sub judice”, restou sedimentada neste órgão fracionário como sendo trienal “ex vi legis” do art. 206, §3º do CC/2002. Precedentes. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.  (Apelação Cível Nº 70056483696, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Niwton Carpes da Silva, Julgado em 24/10/2013).
Seguindo a mesma linha de entendimento, encontram-se ainda outros julgados que consideraram nula a cláusula que estabelecida reajuste por sinistralidade, na medida quem colocam o consumidor em desvantagem:

 

APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. Plano de saúde. Contrato coletivo. Reajustes por sinistralidade. Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Inteligência da Súmula 469 do STJ. Disposição contratual que coloca o consumidor em desvantagem exagerada ao permitir que o fornecedor varie o preço de maneira unilateral. Afronta ao art. 51, inc. IV e X, do CDC. Apelo não provido. (Apelação Cível Nº 70047387550, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ney Wiedemann Neto, Julgado em 12/04/2012) (TJ-RS – AC: 70047387550 RS, Relator: Ney Wiedemann Neto, Data de Julgamento: 12/04/2012, Sexta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 19/04/2012).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. PLANO DE SAÚDE. UNIMED. REAJUSTE DA MENSALIDADE. UNIMAX. REAJUSTE ANUAL. 1. Em que pese a ANS não defina teto para os planos coletivos, é abusivo o reajuste anual dos planos de saúde sob a alegação do aumento da sinistralidade. Inteligência do art. 51, IV e X, do CDC. 2. Manutenção da verba honorária, pois condizente com a espécie e as vertentes dos §§ 3º e 4º do art. 20 do CPC. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70053615076, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em 24/04/2013). (TJ-RS – AC: 70053615076 RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Data de Julgamento: 24/04/2013, Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 30/04/2013.

Ante o acima exposto, revelar-se-á abusivo e causa de nulidade, o reajuste unilateral praticado pelas operadoras de plano de saúde em razão de sinistralidade, sem que tenham sido fornecidos critérios claros e objetivos, bem como dados e informações necessárias para os respectivos cálculos.

 

Luiz Gustavo Lemos Fernandes – Sócio

Cecília Rezende de Freitas – Sócia de Serviços

EMERENCIANO, BAGGIO E ASSOCIADOS – ADVOGADOS