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1 DE SETEMBRO DE 2017

A PRIVATIZAÇÃO MAIS ESPERADA DO SETOR

Governo surpreende e decide passar estatal para as mãos do capital privado. Decisão anima mercado complexidade do processo pode trazer resistências e atrasos

PEDRO AURÉLIO TEIXEIRA, DA AGÊNCIA CANALENERGIA

O fim da tarde daquele 21 de agosto se encaminhava para ser apenas em que o assunto principal era o esforço da Cemig por uma solução para ficar com as suas usinas que vão à leilão. Mas quando foi divulgado o comunicado do Ministério de Minas e Energia com a proposta ao Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos para redução da participação da União no capital da Eletrobras o setor elétrico foi tomado pela surpresa da decisão. Afinal, mesmo com grandes prejuízos, alto número de funcionários e sendo motivo de cobiça de políticos, não havia indicação aparente do governo Temer que a estatal que abriga Chesf, Furnas, Eletronorte e Eletrosul sairia do guarda-chuva do governo federal.

Os elogios à gestão de Wilson Ferreira Junior na condução da maior elétrica do país eram seguidos e sinalizavam que ela tinha jeito. “A medida trará maior competitividade e agilidade à empresa para gerir suas operações, sem as amarras impostas às estatais. Esse movimento permitirá à Eletrobrás implementar os requisitos de governança corporativa exigidos no Novo Mercado, equiparando todos os acionistas – públicos e privados – com total transparência em sua gestão”, disse o MME no comunicado que decidia pela venda.

No primeiro momento, o anúncio parecia vir em função do tamanho do rombo fiscal das contas do governo. A expectativa de arrecadação com o leilão das hidrelétricas das Cemig é de R$ 11 bilhões e a Eletrobras viria para colaborar com esse montante. Em coletiva à imprensa, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Eduardo Guardia rechaçou essa possibilidade, frisando que a desestatização não configuraria receita primária ao orçamento da União. “Isso não está sendo feito para gerar receita, é algo muito mais amplo que o impacto positivo que isso possa ter no âmbito fiscal”, explicou. Na ocasião, a modelagem da venda não estava definida. Segundo Guardia, isso começa a ser feito partir da comunicação da proposta.

Outro fato que chamou a atenção foi a declaração do Ministro Fernando Coelho Filho que no médio prazo o preço da energia iria sofrer redução. Considerada polêmica, a afirmação foi criticada, uma vez que o próprio processo de descotização proposto na Chamada Pública 33, sinalizaria para um aumento. Os ganhos operacionais que poderão ser aferidos ao longo do tempo podem se transformar em mais eficiência, o que acaba chegando nas tarifas.

A decisão foi comemorada pelo mercado financeiro de imediato. No dia seguinte, as ações da empresa tiveram uma supervalorização e o valor de mercado da Eletrobras cresceu em R$ 9 bilhões, chegando próximo dos R$ 30 bilhões. A performance das ações puxou o Ibovespa, que encerrou em alta de 2,01% aos 70.011,25 pontos. O Índice de Energia Elétrica avançou 3,95%, chegando aos 41.728,10 pontos. O mercado entendeu que mesmo com a dívida bilionária, a dona de 30% da geração de energia do país e de quase a metade das linhas de transmissão do Sistema Interligado Nacional era um ótimo negócio.

Na ocasião, Pedro Batista, chefe de análise da acionista da Eletrobras 3G Radar, disse que isso era o que de melhor acontecia para a empresa nas últimas décadas. Relatório divulgado meses antes mostrava que a empresa amargava prejuízos de R$ 186 bilhões acumulados nos últimos 15 anos e se deteriorava financeiramente. Ainda segundo o analista da 3G Radar, a expectativa é que a Eletrobras tenha o mesmo êxito da italiana Enel, que também passou por processo de desestatização. A agência de classificação de risco Fitch Ratings avaliou o processo como potencialmente positivo, mas que havia incerteza sobre o modelo de que seria adotado. Os ratings da Eletrobras não devem ser afetados.

Segundo o secretário-executivo Paulo Pedrosa, o processo foi conduzido de forma fechada, já que a Eletrobras é listada em bolsa. Ele festejou o interesse do mercado na estatal e admitiu que já havia essa expectativa. “O fato que alguém anuncia que está pensando em sair de uma empresa no futuro faz com que ela se valorize 50% na bolsa”, afirma. Ferreira Junior, o presidente da empresa, ressaltou que a decisão do governo de privatizar a empresa não interrompe o seu processo de reestruturação, incluindo a questão da descotização.

Considerando a privatização como a melhor solução para a Eletrobras, Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, relaciona a derrocada financeira da Eletrobras ao mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, quando as receitas da empresa sofreram impacto significativo devido a MP 579. Segundo o consultor, o governo concluiu que se havia uma solução verdadeira e definitiva, ela era a privatização. “Não adiantava ficar enxugando gelo”, explica. Pires também cita os impactos da operação Lava Jato na Eletrobras, que desvenda um esquema de corrupção em projetos como os da Usina de Angra 3 e Belo Monte. Pires via indícios que a empresa poderia ser vendida, como a privatização das distribuidoras, a venda das sociedades de propósito específico e o plano de demissão incentivada.

Mas se a privatização foi elogiada, a hipótese de a venda do controle ser feita para cobrir o rombo das contas públicas foi criticada, como por seu ex-presidente José Luiz Alqueres. Ele, que também foi presidente do conselho da estatal, classificou como condenável a justificativa. O executivo gostaria que a venda fosse feita por blocos de subsidiárias e que a Chesf fosse excluída pela sua importância no uso da água na região Nordeste. O súbito anúncio foi considerado inesperado pelo advogado Robertson Emerenciano, sócio do escritório Emerenciano, Baggio & Associados. Segundo ele, pela importância no setor elétrico que a empresa tem, similar ao da Petrobras na área de petróleo, caberia mais discussão. “Uma coisa boa é a privatização, uma coisa questionável é se deveria ser assim de imediato, sem uma devida discussão com a sociedade sobre a modelagem e os objetivos dessa privatização como um todo”, observa o advogado.

A opção pelo aumento de capital faz com que sejam dispensadas uma série de aprovações, se caracterizando como um movimento societário e não um processo de venda de ações, o que dependeria de autorização por parte do Congresso Nacional. “É um caminho muito mais rápido e menos burocrático para se ter um ingresso de um novo acionista”, avisa Emerenciano. Ele tem dúvidas se o governo consegue fazer o processo todo no prazo, já que os mandatos vão até 2018,  ano eleitoral, embora lembre que o governo tenha um caráter reformista. A escolha pelo aumento de capital também trouxe a dúvida se a intenção do governo não era a de eliminar o debate sobre a Eletrobras e assim acelerar o processo.

Mas a privatização da Eletrobras não ia agradar a todas as partes envolvidas. Quem primeiro acusou o golpe foram os funcionários das empresas do grupo. Emanuel Mendes, diretor da Associação de Funcionários da Eletrobras, conta que soube da notícia pela imprensa. Contrários à venda, associação e sindicatos de funcionários já planejam greves para os próximos dias como forma de marcar a posição. O sindicalista alega que a energia da Eletrobras é a mais barata do mercado e que a mudança do seu controle para o ambiente privado vai encarecê-la. “Quem vai perder com a venda da Eletrobras com certeza vai ser a sociedade brasileira”, avisa.

Mendes acusa Wilson Ferreira de ter faltado com a verdade aos funcionários quando em reunião com o Coletivo Nacional dos Eletricitários garantiu que a Eletrobras não seria privatizada. “Ficou demonstrado ali que ele mentiu”, diz. Ele também ressaltou as mudanças operacionais que vinham sendo implantadas na gestão de Ferreira Junior, como o Centro de Serviços Compartilhados, que vai ficar na sede de Furnas, no Rio de Janeiro (RJ), centralizando as compras das subsidiárias. O diretor da associação também não poupou das críticas o secretário-executivo da pasta, Paulo Pedrosa, a quem classificou como o mentor do processo e ao próprio ministro Fernando Coelho Filho. “Não passa de um fantoche ali”.

O caráter estratégico da Eletrobras dentro do sistema elétrico brasileiro é um dos motivadores dos críticos do processo. O fato da geração hidrelétrica de alguns países na Europa e os Estados Unidos ser de propriedade do governo também é usado como argumento contra a privatização. Os ministérios de Planejamento e Casa Civil se debruçam no aperfeiçoamento do modelo. O destino de programas como Procel e Proinfa deve ser definido ainda. Pedrosa acredita que o Proinfa pode ficar com a nova Eletrobras, mas que a tendência é que o Procel seja uma função do governo.

O Clube de Engenharia foi uma das instituições que se posicionaram contra a desestatização. A instituição já havia colocado na sua contribuição à Chamada Pública 33 que a liderança no planejamento do SEB deveria ser estatal e que o movimento de transformação da energia em commodity era equivocado. O presidente do Clube de Engenharia, Pedro Celestino, criticou a fala do ministro Fernando Coelho Filho sobre a queda na tarifa no médio e longo prazo. Classificando a operação como um “negócio” que não irá atender a sociedade, ele também atacou o viés privatista do governo. “Isso é para

ganhar dinheiro. O país está em liquidação. Não tenho nada contra o capital privado, tenho contra em querer transformar energia em comércio. Energia elétrica não é isso”, comenta. Celestino afirmou ainda jamais ter visto um governo tão descompromissado com o interesse nacional e social como o atual. “Eles se consideram os donos do Brasil”.

A fila de interessados em comprar as ações da Eletrobras é grande. Cogitou-se que a italiana Enel, as chinesas State Grid e China Three Gorges e Fundos Internacionais seriam alguns dos interessados. O modelo escolhido pelo governo pode afastar os players do setor e dar mais espaço para os agentes financeiros, como bancos e fundos. Durante a oitava edição do Brazil Wind Power, realizado esta semana no Rio de Janeiro (RJ), o Country Manager da Enel no Brasil, Carlo Zorzoli, deu a entender que a empresa não participaria da disputa, uma vez que essa pulverização de ações não contemplaria a associação a um player estratégico pujante. Segundo ele, a privatização deve criar um player com mentalidade privada e não a vinda de acionista para participar da gestão.

O governo quer ter a Golden share, que lhe dá a palavra final nas decisões da empresa. Isso é um outro aspecto que também deverá ser detalhado na proposta final, para que fique claro qual será o momento em que ela poderá ser usada. O governo já previu o mecanismo em empresas como a Vale e a Embraer, que passaram por processos de privatização.

Presente nas privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso, a judicialização questionando o processo tem tudo para voltar com toda a força. Naquela época, a guerra de liminares às vésperas das realizações dos leilões era comum. Pelo tamanho da empresa e o número de partes impactadas com a venda, Robertson Emerenciano acredita que a opção pelo aumento de capital não é o suficiente para impedir esse movimento. “Tem muita gente como sindicatos, Ministério Público e outros interessados que têm legitimidade para entrar com medidas judiciais e até mesmo ações populares”, avisa. Mas Emerenciano recorda que a profusão de liminares apenas retarda o processo, e que elas acabavam caindo em instâncias superiores. “Nas grandes privatizações, sempre houve incidentes processuais, mas depois de dias elas caíram e o processo seguiu.

A Eletronuclear e a Hidrelétrica de Itaipu ficam de fora da privatização. Usinas nucleares só podem ser operadas pelo ente estatal, enquanto a natureza binacional de Itaipu a excluiu. A tendência é que elas sejam separadas da holding. Não foi divulgado como ficaria o Centro de Pesquisas em Energia Elétrica da Eletrobras, no campus da UFRJ, no Rio de Janeiro. O temor de Emanuel Mendes, da AEEL, é que ele seja extinto, uma vez que é financiado na sua maioria pela Eletrobras. O banco BTG Pactual divulgou um relatório rebatendo vários questionamentos contra a privatização, como a questão do aumento de custo, da segurança do suprimento e da redução no número de empregos.

O escasso tempo para a privatização pode ser um dos maiores desafios do MME. O conturbado momento político do país e a fragilidade institucional do governo Temer também são entraves. O empenho e determinação do ministro Fernando Coelho Filho pode ser o diferencial. “Ele tem uma equipe de qualidade e é pró-mercado. A operação não é trivial, tudo tem que ser estudado. A privatização vai na direção da modernidade”, comenta Adriano Pires. Ele elogia a celeridade com que o MME quer fazer a operação, já que um longo debate poderia inviabilizar a privatização. “O país tem pressa, está na lona”, conclui Pires.